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Em 2 meses de intervenção no Rio, aumentam tiroteiros, balas perdidas e mortes


Publicado em: 26 de abril de 2018


 

 

Dois meses após o início da intervenção federal, comandada por militares,na área de segurança no Rio de Janeiro, indicadores de violência aumentam e o combate à corrupção não avançou. A avaliação é do relatório “À deriva: sem programa, sem resultado, sem rumo”, divulgado pelo Observatório da Intervenção nesta quinta-feira (26).

De 16 de fevereiro a 16 de abril, foi registrado crescimento de tiroteiosbalas perdidaspessoas feridas e mortas e casos de chacinas. De acordo com a plataforma colaborativa Fogo Cruzado, foram 1.502 disparos e tiroteios, que resultaram em 284 mortos e 193 feridos neste período. Também foram registradas 12 chacinas, com 52 vítimas.

Nos 2 meses anteriores, de 16 de dezembro a 15 de fevereiro, foram 1.299 tiroteios, além de 6 chacinas, com 27 mortos.

“A existência de vítimas múltiplas em episódios de intervenção policial e de confronto de facções criminosas pode estar se tornando uma marca deste novo momento do Rio sob intervenção, o que exigirá um monitoramento com foco nesse fenômeno”, destaca o relatório.

Em fevereiro e março, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro registrou 940 homicídios. Nesse período, 209 pessoas foram mortas pela polícia e 19 policiais foram mortos, de acordo com o estudo.

Além da piora em alguns indicadores de violência, a intervenção teve resultados práticos considerados preocupantes, segundo o documento. “Na prática mantém operações de visibilidade em poucas áreas, enquanto autoriza as polícias fluminenses a manter a guerra às drogas nas favelas, provocadora de confrontos que expõem moradores e policiais ao fogo cruzado”, diz o texto.

O Observatório também destaca que comandantes dos batalhões mais violentos não foram trocados, nem houve qualquer ação de desarticulação de corrupção dentro das polícias, apesar das promessas de autoridades.

“Nenhuma política de segurança vai trazer um mínimo de resultado aceitável no Rio de Janeiro se não for baseada na redução de tiroteios, homicídios, bala perdida, fogo cruzado, da diminuição da circulação de armas e munição da cidade, começando pela polícia, que não pode entrar na favela atirando”, afirmou Sílvia Ramos, coordenadora do Observatório, ao apresentar o monitoramento.

Iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes, o Observatório da Intervenção é composto por 20 instituições apoiadoras, públicas e privadas, incluindo Anistia Internacional Brasil e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O grupo também conta com um conselho de ativistas das comunidades fluminenses.

Os dados elaborados por pesquisadores têm como base jornais impressos e online, mais de 200 páginas e perfis de redes sociais, dados oficiais e informações colhidas pelas iniciativas parceiras DefeZap, Fogo Cruzado e OTT-RJ (Onde Tem Tiroteio).

Intervenção do Rio sem plano

Anunciada após o Carnaval, a intervenção no Rio é a primeira desde 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. Em fevereiro, o presidente Michel Temer afirmou que a medida extrema foi tomada “porque as circunstâncias assim exigem” e que o crime organizado quase tomou conta do estado.

Com o decreto, o governador Luiz Fernando Pezão perdeu o poder sobre questões de segurança do território fluminense. Todas as forças de segurança, incluindo polícias Civil e Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, ficaram subordinadas ao general Braga Netto.

O relatório critica interesses políticos na medida e ressalta que ainda não há uma planejamento efetivo das ações no estado. “Definida às pressas, sem planejamento, recursos ou metas, continua na base do improviso, mesmo após dois meses. Em um país sem liderança nacional e às vésperas de um momento eleitoral tumultuado, traz novos riscos”, destaca o documento.

Das 70 operações policiais monitoradas pelo Observatório, foram registradas mortes em 25. Nelas foram apreendidos 42 fuzis, 77 pistolas, 20 revólveres e uma espingarda. “As apreensões de armas são baixas, pois as operações empregaram mais de 44.024 agentes (considerando as 25 operações em que isto foi informado), ou um efetivo médio de 1.631 por operação”, destaca o relatório.

Na avaliação dos especialistas, o comando da intervenção não tem um modelo de política de segurança que pretende implantar. “Parece deixar que as polícias ‘façam seu trabalho’, sem orientações definidas de buscar a preservação da vida, sem metas, sem mudanças nos paradigmas que vinham orientando as ações”, diz o estudo.

Violações de direitos na intervenção

O relatório destaca ainda uma série de violações de direitos nos 2 primeiros meses da intervenção. O documento é dedicado à Marielle Franco, vereadora do PSol morta em 14 de março. “Nas semanas seguintes, Marielle se tornaria um símbolo mundial da luta pelos direitos humanos e contra a violência. Os homicídios ainda não foram esclarecidos”, destaca o texto.

Especialistas criticaram operação na favela Kelson’s em que militares revistaram mochilas de crianças uniformizadas a caminho da escola. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) emitiu nota apontando a violação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Já na primeira operação na Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia, em 23 de fevereiro, militares abordaram moradores e os fotografaram, junto aos seus documentos de identificação. Segundo as autoridades, as imagens seriam usadas para checagem de antecedentes criminais.

A medida foi classificada como irregular pela OAB-RJ e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que consideraram que o procedimento colocava toda a comunidade como suspeita . As entidades destacaram que o Código Penal exige que as abordagens sejam baseadas em elementos objetivos.

O documento também lembrou da intenção do comando da intervenção, com apoio do governo federal, de usar mandados coletivos de busca, apreensão e até de prisão. Criticada por violar garantias, a medida não foi adiante.

“A adoção de medidas repressivas e seu abandono diante da mobilização de instituições mostra não só o improviso dessas ações, mas também que os mais básicos conceitos sobre segurança pública e de relacionamento de forças de segurança com o público não foram incorporados à estratégia desenhada pelos gestores da Interenção”, destaca o estudo.

Intervenção não resolve crise

Na avaliação de especialistas do Observatório, a intervenção não resolve falhas estruturais de segurança no Rio. A medida, de acordo com eles, agrava a situação ao trazer novos problemas, como alto custo financeiro, desgaste político do uso das Forças Armadas em operações urbanas consideradas violentas e inócuas, interferência de militares em instituições civis e reforço ao discurso de que problemas de segurança se combatem com estratégias de guerra.

Especialistas também alertam para o risco de a população apoiar violações de direitos como resultado da crise de legitimidade dos políticos.

“A maioria da população do Rio e do Brasil vê a intervenção com bons olhos, pois não acredita que as polícias e os políticos locais possam resolver os problemas que se agravaram (…) Este é outro risco do momento atual. Caso as condições de insegurança se agravem, possivelmente isso levará uma parte da população a apoiar políticas oficiais de suspensão de direitos”, alerta o relatório.

O estudo apresenta como sugestão a reforma das polícias, substituição das políticas de confronto por políticas consistentes de inteligência e investigação para desarticular o crime, além de acabar com a rotina de tiroteios por meio da implementação de policiamento baseado no respeito e no diálogo.

As sugestões também incluem mudança na legislação sobre drogas, modernização do Sistema de Justiça Criminal e integração nas ações de segurança pública, desenvolvendo políticas de prevenção, especialmente as voltadas aos jovens.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que o aumento de tiroteios é uma reação à mudança. De acordo com ele, em cidades como Medellín e Bogotá, ambas na Colômbia, também foi registrado fenômeno semelhante.

“Há uma mudança que, inclusive, rompe os laços entre aqueles, dentro do sistema de segurança pública, que estão ligados ou são cúmplices dos criminosos. Isso gera reação, gerou lá [no exterior], está gerando aqui, isso a gente vai com o tempo resolver”, afirmou a jornalistas.