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O papel da OTAN no surgimento de mercados de escravos na Líbia


Publicado em: 20 de fevereiro de 2018


– Mercados de escravos no século XXI

– Seres humanos vendidos por algumas centenas de dólares

– Os media corporativos ocultam a responsabilidade da NATO

por Ben Norton [*]

Os meios de comunicação americanos e britânicos acordaram para a cruel realidade da Líbia, onde refugiados africanos estão à venda em mercados de escravos ao ar livre. No entanto, um pormenor crucial deste escândalo está a ser desvalorizado ou mesmo ignorado em muitas reportagens da imprensa: o papel da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no aparecimento da escravatura nessa nação do norte de África .

Em março de 2011, a OTAN lançou uma guerra na Líbia expressamente para derrubar o governo do antigo líder Muamar Kadafi. Os Estados Unidos e os seus aliados fizeram cerca de 26 mil sobrevoos à Líbia e lançaram centenas de mísseis de cruzeiro, destruindo a capacidade do governo de resistir às forças rebeldes.

O presidente norte-americano Barack Obama e a secretária de Estado Hillary Clinton, em conjunto com os seus comparsas europeus, insistiram que a intervenção militar estava a ser levada a cabo por razões humanitárias. Mas o cientista político Micah Zenko ( Foreign Policy, 22/3/2016 ) usou os próprios documentos da OTAN para demonstrar como “a intervenção na Líbia tinha a ver com uma mudança de regime desde o início.”

 

A OTAN apoiou um conjunto de grupos de rebeldes que lutavam no terreno na Líbia, muitos dos quais dominados por extremistas islâmicos portadores de visões violentamente racistas. Os militantes do bastião de Misurata, apoiado pela OTAN, em 2011 até se referiram a si próprios como ” uma brigada para expurgar escravos, de pele negra ” — uma arrepiante previsão dos horrores que estavam para chegar.

A guerra terminou em outubro de 2011. Aviões americanos e europeus atacaram a caravana onde seguia Kadafi e ele foi brutalmente assassinado por rebeldes extremistas — sodomizado com uma baioneta. A secretária Clinton, que desempenhou um papel decisivo na guerra declarou à televisão CBS News ( 20/10/2011 ), “Nós chegamos, vimos e ele morreu!”. O governo líbio foi dissolvido pouco tempo depois.

Nos seis anos que entretanto se passaram, a Líbia foi devastada pelo caos e pelo derramamento de sangue. Vários putativos governos competem pelo controlo desse país rico em petróleo e, nalgumas áreas, ainda não há uma autoridade central. Morreram muitos milhares de pessoas, apesar de ser impossível verificar a verdadeira contagem. Milhões de líbios foram deslocados — um número impressionante, quase um terço da população, havia fugido para a vizinha Tunísia até 2014.

No entanto, em grande medida os meios de comunicação corporativos esqueceram o papel fulcral da OTAN na destruição do governo da Líbia, na desestabilização do país e no reforço do poder dos traficantes de seres humanos.

Para além disso, mesmo as poucas notícias que assumem uma cumplicidade da OTAN no caos da Líbia não dão o passo seguinte, de detalhar o bem documentado racismo violento dos rebeldes apoiados pela OTAN que encetaram a escravatura depois de terem feito uma limpeza étnica e de cometerem crimes brutais contra os líbios negros.

Ô OTAN, onde andas tu?

A CNN ( 14/11/2017 ) tornou pública uma história explosiva que possibilitou uma visão em primeira-mão do negócio de escravos na Líbia. Essa rede de meios de comunicação obteve um terrível vídeo que mostra jovens refugiados africanos a serem leiloados. “Grandes e fortes rapazes para trabalhos agrícolas”, vendidos por apenas 400 dólares [340 euros].

A apelativa reportagem multimédia da CNN inclui extras abundantes: dois vídeos, duas imagens animadas, duas fotografias e um gráfico. Mas faltava lá alguma coisa: nesse texto de mil palavras a OTAN não foi mencionada, nem a guerra de 2011 que destruiu o governo líbio, nem Muamar Kadafi, nem nenhuma espécie de contexto histórico e político.

Apesar destas grandes falhas, a reportagem da CNN foi muito saudada e teve impacto num aparelho mediático corporativo que, habitualmente, pouco se debruça sobre o norte de África. Seguiu-se uma lufada de reportagens na imprensa. Esses relatos falaram maioritariamente da escravatura na Líbia como um assunto de direitos humanos intemporal e apolítico, não como um problema com raízes na história recente.

Nas notícias que se seguiram, quando autoridades líbias e das Nações Unidas anunciaram que abririam uma investigação à venda de escravos, a CNN ( 17/11/2017 , 20/11/2017 ) mais uma vez tornou a não mencionar a guerra de 2011, nem muito menos o papel da OTAN nessa guerra.

Uma reportagem da CNN ( 21/11/2017 ) sobre uma reunião do Conselho de Segurança da ONU conta-nos que “Embaixadores do Senegal à Suécia também apontaram as causas na base deste tráfico: países instáveis, pobreza, lucros com o comércio de escravos e a falta de cumprimento das leis”. Mas não explicava porque razão a Líbia está instável.

Outro artigo de 1200 palavras da CNN ( 23/11/2017 ) também é confusionista. Só quando se chega ao 35º parágrafo, o penúltimo, é que vem a citação de um investigador da organização de defesa dos Direitos Humanos, a Human Rights Watch : “As autoridades líbias têm vindo a arrastar quase todas as investigações que supostamente iniciaram, mas nunca concluíram, desde os tumultos de 2011”. A liderança da NATO nestes tumultos foi, mesmo assim, ignorada.

Uma nota de imprensa da Agence France-Presse (AFP), publicada pela Voice of America ( 17/11/2017 ) e por outros sítios da internet, também não nos fornece nenhum contexto histórico da situação política da Líbia. “Testemunhos reunidos pela AFP nos últimos anos, revelam uma ladainha de abusos de direitos por parte de líderes de gangues, traficantes de seres humanos e das forças de segurança da Líbia”, diz-nos o artigo, sem nada revelar sobre o que aconteceu antes de 2017.

Reportagens da BBC ( 18/11/2017 ), do New York Times ( 20/11/2017 ), Deutsche Welle (reproduzida pelo USA Today, 23/11/2017 ) e da Associated Press (reproduzida pelo Washington Post , 23/11/2017 ) também não mencionam a guerra de 2011, nem o papel do NATO.

Outro texto do New York Times ( 19/11/2017 ) dá-nos algum contexto:

Desde que a Primavera Árabe de 2011 acabou com a liderança brutal do Coronel Muamar Kadafi, a costa da Líbia tornou-se um eixo do tráfico humano e de contrabando. Isso foi alimentado pela crise de emigração ilegal com a qual a Europa se tem debatido desde 2014. A Líbia, que resvalou para o caos e para a guerra civil depois da revolta, está agora dividida entre três grandes facções.

No entanto, o Times oculta o papel fulcral da OTAN nos tumultos de 2011.

Num relato das grandes manifestações que surgiram às portas das embaixadas da Líbia na Europa e em África, em resposta aos leilões de escravos, a agência noticiosa Reuters ( 20/11/2017 ) indica: “Seis anos depois da queda de Muamar Kadafi, a Líbia continua a ser um Estado sem lei onde grupos armados competem por território e recursos e onde operam impunemente redes de tráfico de pessoas”. Mas não deu mais nenhuma informação sobre a forma como Kadafi foi derrubado.

Uma reportagem do Huffington Post ( 22/11/2017 ), mais tarde republicada pela AOL ( 27/11/2017 ), concedeu que a Líbia é “um dos países mais instáveis, atolado em conflitos, desde que Muamar Kadafi foi afastado e morto em 2011”. Não se menciona o papel importante da NATO nesse afastamento e morte.

Parte do problema tem estado na falta de vontade das organizações internacionais em apontar responsabilidades aos poderosos governos ocidentais. Na sua declaração sobre as notícias de escravidão na Líbia, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres ( 20/11/2017 ) nada disse sobre os acontecimentos políticos dessa nação norte-africana nos últimos seis anos. A reportagem do Centro de Notícias da ONU ( 20/11/2017 ) sobre os comentários de Guterres também não contextualizou nem informou devidamente, bem como a nota de imprensa ( 21/11/2017 ) da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

A Al Jazeera ( 26/11/2017 ) citou um responsável da OIM que sugeriu, nas palavras da Al Jazeera, que “a comunidade internacional devia dar mais atenção à Líbia pós-Kadafi”. Mas este órgão de comunicação não contextualizou a forma como a Líbia passou a ser “pós-Kadafi”. De facto, a fonte da Al Jazeera acabou por fazer do tema um assunto apolítico: “A escravatura contemporânea está espalhada por todo o mundo e a Líbia não é, de todo, um caso único”.

Embora seja verdade que a escravatura e o tráfico de seres humanos acontece noutros países, esta narrativa de que está espalhada por todo o lado despolitiza o problema na Líbia, que tem raízes em decisões políticas explícitas tomadas pelos governos e pelos seus líderes: nomeadamente, a escolha de derrubar o governo estável da Líbia, transformar essa nação norte-africana, rica em petróleo, num estado falhado governado por milícias e senhores da guerra, alguns dos quais envolvidos e a lucrarem com a escravatura e com o tráfico humano.

Atenção seletiva ao “pós-OTAN” na Líbia

As reportagens dos meios de comunicação corporativos sobre a Líbia espelham o tratamento dado às notícias sobre o Iémen ( FAIR.org, 20/11/2017 , 31/8/2017 , 27/2/2017 ) e a Síria ( FAIR.org , 7/4/2017 , 5/9/2015 ). O papel dos governos dos EUA e dos seus aliados na criação do caos a nível mundial é minimizado, se não mesmo ignorado.

Espantosamente, uma das únicas exceções a esta impressionante tendência da imprensa aconteceu em abril, e logo no editorial do New York Times . Esse editorial ( 14/4/2017 ) não poupou nos termos, fazendo uma ligação direta entre a operação militar apoiada pelos EUA e a atual catástrofe:

Nada disto seria possível se não existisse um caos político na Líbia desde a guerra civil de 2011, quando — com o envolvimento da coligação da NATO da qual faziam parte os Estado Unidos — o coronel Muamar Kadafi foi derrubado. Os migrantes tornaram-se o ouro que financia as facções beligerantes na Líbia.

Esta foi uma significativa mudança de posição. Logo depois da NATO ter lançado a guerra na Líbia em março de 2011, o editorial do jornal Times ( 21/3/2011 ) festejou o bombardeamento, de modo esfuziante, “o coronel Muamar Kadafi há muito que é um bandido e um assassino e nunca pagou pelos seus vários crimes.” Cantou loas à “extraordinária” e “impressionante” intervenção militar, e desejou a queda rápida de Kadafi.

O editorial de abril de 2017 do Times não chegou a ser um mea culpa, mas foi uma rara admissão da verdade.

Na altura em que este editorial surpreendentemente honesto foi escrito, tinha havido alguma atenção dada pela imprensa à Líbia. A Organização Internacional para as Migrações havia feito uma investigação sobre a escravatura depois da mudança de regime na Líbia, levando a uma série de notícias no Guardian ( 10/4/2017 ) e noutros jornais. Mas quase logo que esta história começou a atrair a atenção da imprensa corporativa essa mesma atenção acabou por esmorecer. Mudou-se para a Rússia, para a Coreia do Norte e para o papão do dia.

Quando os governos ocidentais estavam prestes a intervir militarmente na Líbia, no período que antecedeu o dia 19 de março de 2011, houve uma constante corrente de notícias sobre o lado mau de Kadafi e do seu governo — incluindo uma boa dose de notícias falsas ( Salon, 16/9/2016 ). Os principais jornais apoiaram aguerridamente a invervenção da OTAN , e não fizeram segredo das suas linhas editoriais a favor da guerra.

Quando o governo dos EUA e os seus aliados se preparavam para a guerra, o aparelho mediático corporativo fez o que melhor sabe fazer e ajudou a vender ao público mais uma intervenção militar.

Nos anos que se seguiram, por outro lado, houve exponencialmente menos interesse na desastrosa situação que se seguiu à guerra na OTAN. Há alguns picos de interesse, como aconteceu no início de 2017. O interesse súbito mais recente da imprensa foi inspirado pela publicação do chocante vídeo pela CNN. Mas a cobertura mediática invariavelmente desaparece abruptamente.

O racismo extremo dos rebeldes líbios

A catástrofe que poderia atingir a Líbia depois do colapso do seu Estado foi prevista na altura. O próprio Kadafi advertiu os Estados membros da NATO que, ao desencadearem uma guerra contra ele, iriam lançar o caos na região. No entanto, os líderes ocidentais — Barack Obama e Hillary Clinton nos EUA, David Cameron no Reino Unido, Nicolas Sarkozy na França, Stephen Harper no Canadá — ignoraram a advertência de Kadafi e derrubaram violentamente o seu governo.

Mesmo no pequeno número de relatos na imprensa sobre a escravatura na Líbia que assumem o papel de responsabilidade da NATO na desestabilização do país, falta ainda alguma coisa.

Olhando retrospectivamente para os rebeldes líbios anti-Kadafi, quer antes quer depois da guerra de 2011, é bastante claro que um ultra-racismo anti-negros se espalhou na oposição apoiada pela OTAN. Uma investigação de 2016 da Comissão de Negócios Estrangeiros da Câmara dos Comuns britânica ( Salon, 16/9/2016 ) reconhece que “as milícias islâmicas tiveram um papel fulcral nos tumultos que se seguiram a fevereiro de 2011”. Mas muitos rebeldes não eram apenas fundamentalistas; eles eram também violentamente racistas.

Infelizmente, não surpreende que estes extremistas líbios escravizassem depois os refugiados e migrantes africanos: eles andavam no seu encalço desde o início.

A maior parte da cobertura jornalística norte-americana e europeia na altura da intervenção militar da NATO era decididamente pró-rebeldes. Quando os repórteres foram para o terreno, no entanto, começaram a publicar algumas peças mais esbatidas que insinuavam a realidade da oposição. Foram em número insignificante mas são bem esclarecedoras e merecem ser vistas novamente.

Três meses depois do início da guerra da OTAN, em junho de 2011, Sam Dagher, do Wall Street Journal ( 21/6/2011 ), relatando com base em Misurata, a terceira maior cidade da Líbia e um grande reduto da oposição, contou que ouviu palavras de ordem tais como “a brigada para a purga de escravos, pele negra.”

Dahger afirmou que o baluarte rebelde de Misurata era dominado por “um núcleo de famílias de comerciantes brancos,” ao passo que “o sul do país, que é predominantemente negro, apoia maioritariamente o coronel Kadafi.”

Um grafiti em Misurata dizia “Traidores fora daqui”. Por “traidores,” os rebeldes referiam-se aos líbios da cidade de Tauerga, que o Journal explicou ser “habitada principalmente por líbios negros, um legado das suas origens no século XIX como cidade na rota do comércio de escravos.”

Dagher revelou que alguns líderes rebeldes líbios “apelavam à expulsão da zona dos provenientes de Tauerga” e à “proibição dos naturais de Tauerga de poderem trabalhar, viver ou enviar os seus filhos para a escola em Misurata”. Ele acrescentou que os bairros onde a maioria dos habitantes eram de Tauerga já estavam vazios. Os líbios negros estavam “desaparecidos ou escondidos, temendo ataques dos habitantes de Misurata, havendo relatos de ofertas de recompensas pela sua captura.”

O comandante rebelde Ibrahim al-Halbous disse ao Journal, “Tawergha já não existe, só Misurata.”

Al-Halbous reapareceria mais tarde numa notícia do jornal Sunday Telegraph ( 11/9/2011 ), reiterando ao jornal britânico, “Tauerga já não existe.” (Quando Halbous foi ferido em setembro, o New York Times — 20/9/2011 — descreveu-o simpaticamente como um mártir na heróica luta contra Kadafi. A brigada de Halbous tornou-se nos anos que se seguiram uma milícia influente na Líbia.)

Tal como Dagher, Andrew Gilligan do Telegraph chamou a atenção para o mural pintado ao lado da estrada que liga Misurata a Tauerga: “a brigada para purgar escravos [e] peles negras.”

Gilligan escreveu a partir de Tauerga, ou antes das ruínas da cidade de maioria negra, que ele descreve como tendo sido “esvaziada de pessoas, vandalizada e parcialmente queimada por forças rebeldes.” Um líder rebelde declarou acerca dos residentes de pele negra, “Nós dissemos que se eles não saíssem, seriam conquistados e presos. Foram todos embora e não permitiremos que regressem”.

Gilligan deu nota de “um clima racista. Muitos dos habitantes de Tauerga, que nem eram migrantes nem faziam parte dos famosos mercenários africanos pró-Kadafi, são descendentes de escravos e têm a pele mais escura que a maioria dos líbios.”

A Organização do Tratado do Atlântico Norte deu apoio a estes rebeldes virulentamente racistas em Misurata. As forças da OTAN fizeram frequentemente ataques aéreos sobre a cidade. Caças franceses derrubaram aviões líbios em Misurata. Os EUA e o Reino Unido dispararam mísseis de cruzeiro sobre alvos governamentais líbios, e os Estado Unidos lançaram ataques com aviões não tripulados Predator. A força aérea canadiana também atacou forças líbias, empurrando-as para fora de Misurata.

Num vídeo de relações públicas publicado pela OTAN em maio de 2011, no início da guerra da Líbia, a aliança militar ocidental admitiu abertamente ter permitido que “os rebeldes líbios transportassem armamento de Bengazi para Misurata”. O cientista político Micah Zenko ( Foreign Policy, 22/3/2016 ) assinalou as implicações desse vídeo: “Um vaso de guerra da OTAN estacionado no Mediterrâneo para controlar o embargo de armas fazia exatamente o oposto, e a NATO estava confortável com a divulgação de um vídeo que demonstra a sua hipocrisia”.

Durante a guerra e mesmo depois, os rebeldes líbios continuaram a perpetrar ataques sectários e racistas contra os seus compatriotas negros. Estes ataques foram bem documentados pelas principais organizações de defesa dos direitos humanos.

O diretor executivo da Human Rights Watch, Kenneth Roth , saudou a intervenção da NATO na Líbia em 2011, considerando a declaração unânime de uma zona de proibição de voo por parte do Conselho de Segurança da ONU uma “notável” confirmação da chamada doutrina de “responsabilidade de proteger”.

A organização de Roth, no entanto, não pôde ignorar os crimes dos militantes anti-Kadafi cometidos contra os líbios de pele negra e contra os migrantes.

Em setembro de 2011, quando ainda decorria a guerra, a Human Rights Watch informou a “detenção arbitrária e o abuso de trabalhadores migrantes africanos e de líbios negros assumidos como sendo mercenários [pró-Kadafi]”, por parte dos rebeldes líbios.

Depois, em outubro, a importante organização norte-americana de defesa dos direitos humanos mencionou que milícias líbias estavam a “aterrorizar os residentes deslocados da localidade de Tauerga,” a comunidade de maioria negra que era um bastião de apoio a Kadafi. “Toda a cidade de 30 mil pessoas foi abandonada — parte dela saqueada e queimada — e os comandantes da brigada de Misurata dizem que os residentes de Tauerga não devem nunca mais regressar”, segundo a HRW. Testemunhas “fizeram relatos credíveis de algumas milícias de Misurata terem disparado sobre habitantes desarmados de Tauerga, e de detenções arbitrárias e espancamentos de presos, tendo em alguns casos levado à morte dos detidos.”

Em 2013, a HRW debruçou-se sobre a limpeza étnica da comunidade negra de Tauerga. A organização de defesa dos direitos humanos, cujo diretor tão efusivamente havia apoiado a intervenção militar, escreveu: “A deslocação forçada de aproximadamente 40 mil pessoas, as detenções arbitrárias, tortura e assassinatos são comuns, sistemáticas e suficientemente organizadas para se poder considerar tratarem-se de crimes contra a Humanidade”.

Estas atrocidades são inegáveis e abrem um caminho direto à escravização de refugiados africanos e migrantes. Mas para reconhecer a cumplicidade da OTAN no fortalecimento destes militantes racistas extremistas, a imprensa teria de reconhecer antes o papel da OTAN em 2011 na guerra para a mudança de regime na Líbia.

[*] Jornalista.

O original encontra-se na FAIR .    Tradução de Alexandre Leite, editor de investigandoonovoimperialismo.blogs.sapo.pt/

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