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Putin repensado 


Publicado em: 11 de fevereiro de 2018


The Saker (sobre palestra do Prof. Stephen F. Cohen)
Unz Review e The Vineyard of the Saker

Tive recentemente o prazer de assistir a uma breve palestra do Professor Stephen F. Cohen intitulada “Putin Repensado” [ing. Rethinking Putin] (no cruzeiro anual de estudos de Nation dia 2/12/2017 (aqui o artigo de Nation e aqui o vídeo). Embora em fala rápida, o Professor Cohen faz trabalho soberbo, explicando o que Putin *não é*. Adiante uma parte da lista do que Putin *não é* (mas, por favor, assistam ao vídeo antes de continuar).

  1. Putin não é o homem que des-democratizou a Rússia (quem fez isso foram a Casa Branca e Yeltsin).
  2. Putin não é o líder que criou a corrupção e a cleptocracia na Rússia (quem fez isso foram a Casa Branca e Yeltsin).
  3. Putin não é líder bandido que ordenou o assassinato de jornalistas ou opositores (não há prova alguma).
  4. Putin não ordenou q hackers invadissem os servidores do Comitê Nacional Democrata (não há prova alguma).
  5. Não foi anti-EUA ou anti-‘Ocidente’ desde sempre (a experiência o fez mudar de ideia).
  6. Não é líder neo-soviético (é crítico empenhado contra Lênin e Stálin).
  7. Não é líder de política exterior agressiva (até hoje, como líder, só fez reagir).
  8. Não é homem que se defina pelos anos que serviu à KGB.

O professor Cohen concluiu sua fala sugerindo alguns tópicos que devem ser parte de uma futura biografia honesta de Putin.

Ainda líder jovem e inexperiente posto no comando de um estado em absoluto colapso:

  1. Putin reconstruiu, estabilizou e modernizou a Rússia, de modo a prevenir colapsos futuros;
  2. Putin teve de restaurar a linha ‘vertical’ de poder: “fez boa gestão da democracia” (i.e. restaurou a ordem).
  3. Putin precisou costurar juntas, numa história consensual, as eras czarista, soviética e pós-soviética, sem impor nenhuma versão única da história.
  4. Precisou do apoio ocidental para modernizar a economia russa.
  5. Queria que a Rússia se tornasse grande potência, mas não superpotência.
  6. Jamais favoreceu o isolacionismo da cortina-de-ferro; é internacionalista (mais europeu que 90% dos russos, pelo menos no início).

A ideia chave é a seguinte: Putin começou como líder europeu pró-Ocidente; com o tempo se realinhou com uma visão de mundo russa muito mais tradicional. Hoje, está mais alinhado com o pensamento dos eleitores russos.

O professor Cohen concluiu sua fala tratando de dois tópicos os quais, eu presumo, são muito caros àquela audiência:

– disse que, ao contrário do que diga a propaganda ocidental, as leis chamadas “anti-gays” na Rússia não são diferentes das leis de 13 estados norte-americanos; e, segundo,

— que “qualquer que seja a avaliação, feita dentro da Rússia ou nas relações com Israel, todos concordam que os judeus no governo Putin na Rússia estão melhor hoje do que jamais antes na história russa. Nunca antes, em toda a história. Vivem com mais liberdade, menos antissemitismo oficial, mais proteções, mais admiração oficial por Israel, mais interação, mais liberdade para ir e vir”.

Tudo isso é assunto importante muito interessante, especialmente quando exposto a público de norte-americanos progressistas esquerdo-liberais (com, provavelmente, alta porcentagem de judeus ali presentes). Francamente, a apresentação do professor Cohen faz-me pensar no que Galileu deve ter sentido quando falou, ele mesmo, num Tribunal da Inquisição (os livros e artigos de Cohen também estão no equivalente moderno doIndex Librorum Prohibitorum).

De fato, o professor Cohen é simplesmente fiel ao próprio trabalho: sempre se opôs aos doidos durante a velha Guerra Fria; hoje se opõe aos mesmos doidos na nova Guerra Fria. Ao longo de toda a vida, o professor Cohen foi homem de verdade, coragem e integridade – um pacificador no sentido das Bem-aventuranças (Mateus 5:9 “Benditos [são] os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus”). Assim, ainda que a coragem dele não me surpreenda, mesmo assim ela sempre me impressiona. Alguns talvez pensem que uma palestra curta, num navio de cruzeiro, não é exatamente ato de extrema coragem. Discordo veementemente. Claro, ninguém metralharia Cohen na linha do pescoço pelas costas como faria, digamos a ChK-GPU-NKVD soviética, mas me parece que aqueles métodos para “forçar” um consenso oficial eram muito menos efetivos que seus equivalentes modernos: as técnicas de impor a conformidade (ver “Asch Conformity Experiment“) tão absolutamente prevalentes na moderna sociedade ocidental.

Observem os resultados: havia muito mais leitura e pensamento (de qualquer tipo) na sociedade soviética do que há hoje no moderno Império Anglo-sionista (qualquer pessoa que se lembre daqueles velhos maus tempos de URSS confirmará o que digo). Como diz a piada: na ditadura, eles nos gritam “cale a boca”; na democracia, nos obrigam a falar sem parar um segundo. CQD.

Voltando aos pontos da palestra do professor Cohen, os números 1, 2, 3 e 4 são fatos básicos. Aqui nem há o que discutir – Cohen está só corrigindo um erro no registro de fatos. O n. 5 é muito mais interessante e controverso. Por um lado, estamos falando de visões/intenções difíceis de julgar. Um Putin pró-Ocidente? Quem sabe? Só os amigos mais íntimos sabem disso? O que eu pessoalmente penso nessa questão deve ser considerado em combinação com a questão n. 8: o serviço de Putin na KGB.

Ainda há enorme quantidade de desinformação e falsas ideias sobre a velha KGB soviética no Ocidente. Para o norte-americano médio, “agente daKGB” é sujeito chamado Vladimir, com olhos azuis frios como aço, que espanca dissidentes, rouba segredos técnicos ocidentais e espiona esposas de políticos (às vezes até dorme com elas). É comunista linha-dura que sonha com destruir com bombas atômicas ou invadir os EUA e fala com pesado sotaque russo. Alternativamente, há Anna Kushchenko (codinome Anna Chapman) – prostituta pervertida que seduz homens ocidentais e os obriga a trair. Esses protótipos são tão acurados quanto James Bond é fidedigna representação do MI6. A realidade não poderia ser mais diferente.

KGB soviética foi primeiro e principalmente uma enorme burocracia com sessões, diretorados, departamentos e subsessões muito diferentes entre eles. Sim, um desses Diretorados tratou, sim, de dissidentes e ativistas anti-soviéticos (principalmente o 9º Departamento do 5º Diretorado), mas mesmo dentro desse infame 5º Diretorado houve alguns Departamentos que, coordenados com outros Diretorados e Departamentos da KGBtinham tarefas mais legítimas, como, por exemplo, a detecção de organizações terroristas (7º Departamento). Outros Diretorados da KGB cuidavam da segurança econômica (6º Diretorado), segurança interna e contrainteligência (2º Diretorado) ou até da proteção aos funcionários (9º Diretorado).

Putin foi funcionário (nunca foi “agente”; os agentes são recrutados fora dos quadros da KGB!) do 1º Diretorado Principal (PGU) da KGB: da inteligência estrangeira. O próprio Putin revelou recentemente que trabalhou dentro do Departamento mais sensível do PGU, o “Departamento S”, que lidava com os ‘ilegais’. É detalhe muito importante. O PGU era tão separado dos demais Diretorados da KGB, que tinha prédio especial no sul de Moscou. Mas mesmo dentro do PGU, o Departamento S foi o mais secreto e mais separado de todos os demais departamentos do PGU (tanto quanto o n. 10).

Como alguém que viveu anos como ativista anti-soviético e que teve contatos pessoais, cara a cara, com funcionários da KGB (de vários Diretorados), posso confirmar que a KGB como um todo reuniu os melhores; mas o PGU selecionava os melhores dos melhores para aquele legendário Departamento S. Consideremos agora o tipo das competências exigidas desses funcionários do PGU em geral (além das duas iniciais competências óbvias: alta inteligência e alta confiabilidade).

Antes de tudo, um funcionário do PGU tinha de ser especialista de alta qualificação na sua área de expertise (no caso de Putin, a Alemanha, como se sabe, mas também o resto da Europa e, dado que a Europa Ocidental foi – e ainda é – colônia, também os EUA). O povo soviético era informado de que o inimigo era o Ocidente; os funcionários do PGU tinham de compreender por que e como o Ocidente era o inimigo.

Em termos práticos, isso implica saber e compreender não apenas a realidade oficial cultural, política, social e econômica do inimigo naquele específico quadro político, mas também as reais relações de poder dentro daquele quadro político. Essa compreensão não é útil só para abordar e avaliar a utilidade potencial de cada pessoa com que alguém interaja, mas também para compreender em que ambiente aquela pessoa tem de operar.

A ideia de que os funcionários do PGU seriam comunistas obcecados sem espírito crítico é cômica. Eram homens e mulheres estudados, cultos, de vasta leitura (tinham acesso ilimitado a todas as fontes ocidentais de informação, inclusive as mais ativamente anti-soviéticas, a relatórios sigilosos e a toda a literatura imaginável anti-soviética) e eram realistas/pragmáticos em grau máximo. Claro, como em qualquer organização, os mais altos líderes frequentemente eram nomeados, e os burocratas e funcionários da contrainteligência eram bem menos sofisticados. Mas para funcionários como Putin, a capacidade para compreender realmente e profundamente a sociedade ocidental era exigência absoluta e vital para a função em que ele trabalhou.

Segundo, um bom funcionário do PGU tinha de ser palatável, de fato, tinha de ser gostável; muito, muito gostável. Ser gostável sempre é competência absolutamente necessária para um bom funcionário de inteligência. Em termos práticos, significa que ele/ela tem de compreender não só o que pode abalar o outro, mas também o que fazer para influenciar o outro na direção certa. Lidar com ‘ilegais’ significa também ser um melhor amigo, um confessor, apoiador moral, guia e protetor. Não é possível fazer nada disso com alguém que não goste de você. Assim sendo, esses funcionários da inteligência são mestres em matéria de companheiro e melhor amigo; sabem ouvir incansavelmente, sabem muito sobre o que fazer para ser gostado. E compreendem exatamente o que você quer ouvir, quer ver e as palavras certas para fazer o outro relaxar e pô-lo em estado de confiar.

Agora combinem as duas competências: tem-se um homem q é refinado especialista em Ocidente e que foi magnificamente treinado para ser gostado no mundo ocidental, pelos ocidentais. Qual a probabilidade de que esse homem acalente, para começar, muitas ilusões sobre o Ocidente? E, por mais dúvidas que tenha um homem desses, se tiver, qual a probabilidade de ele as deixar à vista?

Meu palpite mais visceral é que praticamente não há probabilidade de Putin ter ilusões; nem de ele deixar ver as dúvidas que tenha, se tiver.

Muito mais provável é o seguinte: Putin desempenhou o papel de “melhor amigo do Ocidente” pelo maior tempo possível; pôs fim ao personagem, quando viu que claramente já não era produtivo. E, sim, ao fazê-lo realmente se realinhou com a opinião pública russa. Mas esse foi apenas um efeito colateral útil, não foi a causa de ele se ter realinhado.

Considerem os pontos 9-13 acima, do professor Cohen (resumo-os como “consertar a Rússia”). Todos fazem sentido para mim, ainda que Putin fosse “líder jovem e inexperiente“. Há uma enorme diferença entre ser funcionário do PGU de alta capacidade e supertreinado, e presidir a Federação Russa. E ainda que Putin tenha perdido algumas das ilusões, aconteceu em primeiro lugar porque o próprio Ocidente mudou muito entre os anos 1980s e os anos 2010s. Mas Putin certamente sempre soube que, para implementar os pontos 10-13 de Cohen, ele precisaria da ajuda do Ocidente ou, se essa ajuda fosse impossível, que teria de conseguir pelo menos que o Ocidente só interferisse minimamente, ou que resistisse o mínimo possível.

Mas é absolutamente impossível acreditar que um homem que teve pleno acesso a informação real sobre as duas guerras da Chechênia tenha algum tipo de ilusão sobre os reais sentimentos do Ocidente sobre a Rússia, para nem falar da certeza absoluta que têm todos os russos hoje de que tudo que o Ocidente ouve sobre a Rússia é distorcido e profundamente enviesado. Fato é que alguém que vivesse na Rússia nos anos 1990s acabaria por se convencer de que o Ocidente desejava escravizar todos os russos, ou, mais acuradamente, nas palavras do senador McCain – converter a população russa em “frentistas de posto de gasolina”.

O próprio Putin disse isso quando declarou, falando dos EUA, “eles não querem nos humilhar, querem nos subjugar. Querem resolver à nossa custa, os problemas deles, querem nos subordinar à influência deles“. E acrescentou, “ninguém na história jamais conseguiu fazer isso e ninguém jamais conseguirá“. Primeiro que, para mim, Putin está absolutamente correto no que vê dos objetivos do Ocidente. Segundo, que, também para mim, ele não ‘descobriu’ isso de repente, do nada, em 2014. Acho que sempre soube, mas só começou a dizer, assim, em alto e bom som, depois do golpe apoiado pelos EUA na Ucrânia. Além do mais, em 2014, Putin já completara os pontos 9-13 e já não precisava tanto do Ocidente quanto antes.

Examinemos agora os pontos 6 (como Putin vê o período soviético), 12 (a história de consenso) e 14 (Rússia grande potência, mas não superpotência). E outra vez consideremos o fato de que os funcionários do PGU tinham pleno acesso a todos os livros de história, arquivos secretos, memórias, etc. e eram livres para falar em termos analíticos pragmáticos sobre qualquer tema histórico, com os professores e colegas. Para mim, Putin já tinha tão poucas ilusões sobre o passado soviético quanto sobre o Ocidente. O fato de ele falar da dissolução da União Soviética (a qual, não esqueçamos, aconteceu de modo absolutamente antidemocrático!) como uma “catástrofe” que foi “completamente desnecessária” não implica, de modo algum, que não estivesse muito consciente dos horrores, tragédias, desperdício, corrupção, degradação e todos os demais males do regime soviético. Tudo isso mostra que Putin também está consciente das imensas vitórias, realizações e sucessos que também são parte do registro histórico da era soviética. Por fim, e muito importante, tudo isso mostra também que ele se dá contra de que absoluto desastre, cataclismo de proporções realmente cósmicas, o colapso da União Soviética representou para todos os povos da URSS, e que absoluto pesadelo foi para a Rússia viver toda uma década como colônia subserviente do Tio Sam.

Não tenho dúvidas de que Putin estudou suficiente Hegel para compreender que os horrores dos anos 1990s foram o resultado das contradições internas da era soviética, assim como os soviéticos foram resultado das contradições internas da Rússia czarista. Dito claramente, significa que Putin compreendeu integralmente os riscos inerentes do império, e que decidiu, como a ampla maioria dos russos, que a Rússia não devia, de modo algum, em tempo algum, voltar a ser império. País forte e soberano? Sim. Mas império?! Nunca mais. De modo algum!

Essa conclusão fundamental é também a chave para a política exterior de Putin: é “reativa” por natureza, simplesmente porque só age em resposta a algo que afete a Rússia e quando afete. Pode-se dizer que todas as nações “normais” são “reativas”, porque nada têm a ganhar com agir de outro modo. Envolver-se em todos os momentos e pontos, em todas as lutas ou conflitos, é o que fazem impérios baseados em ideologias messiânicas, não países normais, independente de se são grandes ou poderosos e de o quanto o sejam. Apesar de todas as alucinações doentias, paranoides, dos ocidentais russófobos, em torno de alguma “Rússia ressurgente”, a realidade é que diplomatas russos frequentemente mencionaram que os objetivos das políticas exteriores russas são: converter inimigos em forças neutras; forças neutras, em parceiros; e parceiros, em aliados. E por isso o professor Cohen está absolutamente certo: Putin absolutamente não é isolacionista – quer uma nova ordem internacional multipolar de países soberanos; não porque seja algum idealista ingênuo de olhos bestificados, mas porque essa via é a melhor, em termos pragmáticos, para a Rússia e para o povo russo. Pode-se dizer que Putin é patriota internacionalista.

Por fim, quanto aos homossexuais e aos judeus. Primeiro, que as duas afirmações que o professor Cohen faz estão corretas: homossexuais e judeus vivem muito bem na Rússia moderna. Concordo até que vivam hoje melhor do que jamais antes. Claro, o professor Cohen e eu estamos sendo fáticos e muito superficiais nessa afirmativa. E dado que já discuti os dois tópicos (aqui e aqui) não voltarei a eles. Digo apenas que nos dois casos estamos falando de minorias muito pequenas as quais, sabe-se lá por que motivo, o Ocidente tem mania de tratar como se fossem alguma espécie de O Parâmetro para avaliar a humanidade, a gentileza, a civilização e a modernidade do universo. Ok, cada um usa o parâmetro que bem entenda. Se no Ocidente o modo como essas duas minorias são tratadas é A Questão Primeira e Única do Universo, ok. Pessoalmente, não penso muito nesse assunto (especialmente porque não me parece que eu deva qualquer consideração especial a nenhuma dessas duas minorias). Isso posto, devo dizer também que nada recomenda que Putin dedique qualquer especial atenção-preocupação a um grupo específico, mais que aos demais todos grupos minoritários.

Mesmo assim, e é aí que tudo isso é realmente muito interessante, a atenção que ele dedica à maioria absolutamente não implica descaso ou desrespeito às liberdades fundamentais e aos direitos das minorias, mas, isso sim, inclui a atenção a todas as minorias (não, nesse caso, alguma atenção especial a dois grupos minoritários que o Ocidente pretende que seriam “mais iguais que os outros”).

Nesse ponto é onde vários grupos de direita e variados “Direitistas Alternativos (?)” [que vão da direita liberal até a extrema-direita mais extrema; por exemplo, no Brasil, Instituto Mises (ing. Alt-Righters) (NTs)] absolutamente desentendem tudo e ‘perdem’ Putin.

O mesmo Putin que disse a uma assembleia de juízes ortodoxos em Moscou que 80-85% dos líderes bolcheviques eram judeus (aqui se assiste a um vídeo legendado em ing.), o mesmo Putin que esmagou os oligarcas ladrões (praticamente todos eles judeus) da era Yeltsin tão logo chegou ao poder, e o mesmo Putin que ignorou completamente os surtos histéricos de Bibi Netanyahu sobre o papel dos russos na Síria é o mesmo Putin que fez muito mais que o mínimo esperado para proteger judeus russos dentro da Rússia e que considera que judeus e russos estão para sempre unidos na memória comum que levam com eles dos horrores da 2ª Guerra Mundial.

[BARRA LATERAL: Pessoalmente, desejo que a Rússia denuncie Israel pelo que é – estado bandido racista ilegítimo, dedicado ao genocídio como ‘tática’ expansionista, mas não tenho família lá. Nem sou presidente de um país com fortes laços com comunidades de judeus que falam russos em todo o mundo. Em minha opinião, só tenho de prestar contas à minha consciência e a Deus; e Putin tem também de prestar contas aos que o elegeram e continuam a apoiá-lo].

Culpar por associação, castigar todos indiscriminadamente por ações de alguns, destripar bodes expiatórios, perseguir viciosamente quaisquer minorias em nome de algum ideal – tudo isso já foi tentado no passado, seja na Rússia seja no Ocidente. Putin é agudamente consciente dos perigos do nacionalismo, assim como é agudamente consciente dos perigos do imperialismo, e já o disse incontáveis vezes: a Rússia não sobreviverá a mais conflitos nacionalistas dos que destruíram quase completamente o país nos anos 1990s. Basta olhar para a Ucrânia de hoje, e todos verão o que seria uma Rússia dilacerada por ideologias nacionalistas, caso Putin não tivesse atacado a jugular, sem piedade, de vários nacionalismos (inclusive e principalmente nacionalismos russos).

Longe de se pôr subserviente diante do (reconhecidamente muito poderoso) lobby judeu na Rússia, Putin está, isso sim, tentando reunir a maior quantidade possível de povos e minorias diferentes, em seu projeto para uma Nova Rússia; e esse projeto inclui judeus russos, não porque interessa aos judeus, por mais que interesse, mas porque interessa ao futuro da Rússia.

O mesmo vale para outra minoria crucialmente importante na Rússia – os muçulmanos. Também são parte crucialmente decisiva no projeto que Putin constrói para a Rússia.

Claro que na Rússia há racistas, nacionalistas e outros que absolutamente não prestam, os quais continuarão a sonhar com expulsar do país todos os judeus ou muçulmanos. Dito de forma simples – nada disso está acontecendo hoje (primeiro, porque seria fisicamente impossível). E Putin e os que o apoiam combaterão contra os que tentem fazer tal coisa com todas as ferramentas legais que encontrem. Também nesse campo, pode-se dizer que Putin é patriota internacionalista.

Entrementes, o Ocidente continua empacado nas mesmas velhas trilhas ideológicas: imperialismo, nacionalismos e exclusivismo messiânico, por um lado; e, por outro lado, completamente rendido ao pós-modernismo, ao ódio contra o próximo culturalmente diferente, à mesquinharia das políticas identitárias e ao ‘relativismo’, no campo da moral. Nem chega a surpreender, portanto, que esses campos que dominam o Ocidente sejam absolutamente incapazes de avaliar Putin e de compreender o projeto no qual Putin trabalha incansavelmente.

O professor Cohen acerta em cheio: o Putin real nada tem a ver, absolutamente nada, com o pseudo-Putin que a mídia-empresa ocidental inventou e vive de impingir a seu ‘público-alvo’ infinitamente já zumbificado e imbecilizado. Infelizmente, poucos darão ouvidos ao que disse o professor Cohen, não, pelo menos, enquanto o regime em Washington DC e a estrutura de poder que o sustenta, e cujos interesses o regime representa, não vier abaixo. Mas acredito firmemente que o professor Stephen F. Cohen ficará na história, como o mais intelectualmente honesto e mais corajoso especialista em Rússia que os EUA produziram.*****

Área de anexos

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Rethinking Putin: A Talk by Professor Stephen F. Cohen

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